quinta-feira, 30 de maio de 2013

Educação Brasileira "Coletor de lixo diz que fatura mais que professor no RS"

Índio e analfabeto, coletor de lixo diz que fatura mais que professor, mas prefere viver nas ruas da capital gaúcha.

Ele é limpo, não pede esmolas e paga pelas suas coisas. Mesmo analfabeto, fatura, por mês, mais do que muitos professores do Estado do Rio Grande do Sul e possui até poupança na Caixa Econômica Federal. Sua profissão? Coletor de materiais recicláveis.
Com o que ganha coletando lixo, Loreni Alves da Silva, aos 40 anos, poderia alugar um kitnet, erguer um barraco ou até mesmo um apartamento popular, mas nem pensa nisto. Gosta mesmo é da rua. Hoje acumula 35 anos e vive dentro de uma barraca que custou R$ 130. Ele leva e trás sua casa para onde bem entende dentro de um carrinho de papeleiros.
Na última vez que o vi, seu endereço ficava em algum número esquecido na Avenida Praia de Belas, em frente ao Corpo de Bombeiros. Era início de dezembro e o homem andava atarefado preparando seu carrinho para a chegada do Natal.
Natural de Tenente Portela (RS), nos seus documentos só consta o nome da mãe, Clair Alves da Silva. Uma índia Guarani que deixou este mundo quando Loreni tinha cinco anos. Ele não admite, e se esquiva falando de uma busca por liberdade, mas foi aí que sua vida de mendigo começou.
Ao invés de ir morar com o pai, o índio da tribo Kaingang Armando Almeida, e seus outros 23 irmãos na reserva “Terra Indígena Guarita”, em Tenente Portela (RS), o exótico indiozinho de olhos verdes adotou a rua e teve que aprender a se virar.
Com a pele maltratada do sol Loreni faz tudo o que as pessoas “dos edifícios” fazem.  Acorda às 6h da manhã e sai para caminhar. Volta, desmonta o acampamento da selva de pedra e vai para o trabalho. Ou, no caso, o trabalho vem até ele: papel, plástico, alumínio e tudo o mais que caiba no seu carrinho é coletado pelas ruas para ser vendido e revertido na sua principal fonte de renda. Ele fatura, por dia, uma média de R$ 80 a R$ 100.
Com este dinheiro compra comida, roupas, e ainda guarda uns trocados na sua poupança. Aliás, Loreni, que não é bobo, bolou uma estratégia para não ser barrado em estabelecimentos comerciais: “quando preciso comprar alguma coisa já entro com a carteira na mão, para eles verem que vou pagar”.
Bem, talvez tenha sido a falta de educação básica que tenha feito o homem acreditar que cocaína nasce em árvore. Inclusive ele jura que já viu uma, e explica a teoria: “tem a árvore fêmea e a macho. A fêmea tem quase três metros. A árvore macho é baixinha”. Sobre experiências com drogas Loreni conta que já provou de tudo, e dá uma viajada falando numa tal de heroína preta, branca e roxa. Vá saber quanta droga ele usou para ver coisas assim.
A verdade é que ele não sabe como, mas conseguiu sair desse mundo e hoje está limpo, não usa nada, só a tradicional cachaça que os mendigos carregam para espantar o frio do rigoroso inverno gaúcho. Ah, e cerveja, mas garante que bebe “com moderação”. Durante a apuração desta reportagem não ouvi um relato de alguém que o tenha visto caindo de bêbado. Seu único vício é o cigarro. E tem que ser Hollywood original.
A pedagoga da Fundação de Assistência Social e Cidadania de Porto Alegre (Fasc), Patrícia Mônaco, conhece Loreni há seis anos. Ela revela a suspeita de que o homem sofra de uma doença psíquica: “Para mim o Loreni sofre de esquizofrenia.” Conta, também, que o sujeito costuma procurar a Fasc quando precisa de algum auxílio com a sua documentação. De resto, o índio urbano alimenta sua história sem muitos interlocutores.
O perigo mora ao lado
“Essa vida na rua é perigosa”, informa Loreni. E tenta comprovar: 18 tiros, 14 facadas e 24 “quebraduras” passam pelos cálculos do meio Guarani, meio Kaingang. É difícil saber se existe precisão nas contas do homem, mas ele mostra várias marcas pelo corpo, incluindo a mais recente: ferimento que deixou sua perna enfaixada após levar uma bordoada com um pedaço de ferro, durante uma tentativa de assalto.
Mas quem assalta um morador de rua? Outro companheiro de situação. E dentre tantos pertences mais vistosos, como uma pequena TV recém adquirida, a intenção era levar as duas rodas gastas de motocicleta que movimentam seu carrinho. Para maioria das pessoas isso é lixo, mas entre outros mendigos é artigo de luxo e vale matar pelo tesouro.
O homem que hoje tem pouco já perdeu tudo. Mais de uma vez. Em uma delas quase foi queimado vivo por um traficante debaixo do viaduto da Conceição. “Eu tava dormindo e senti um calor no rosto, e como durmo com a cabeça tapada só puxei o cobertor, aí olhei para cima e a minha barraca estava pegando fogo”, conta Loreni. Ele explica que foi o tempo de sair do seu abrigo e vê-lo sendo consumido pelo fogo. Perdeu roupa, comida, colchão, cobertor e até uma antiga TV em cores alimentada por bateria.
Em outro momento ele jura que precisou enfrentar uma cobra. Diz que era Cascavel.  Conta que estava na beira de uma estrada, indo para o Mato Grosso “do Norte”, como gosta de frisar, e acordou com o animal dentro da sua barraca, pronto para dar o bote. Então fez uma oração, pois apesar de não ter religião o homem acredita em Deus, e conseguiu pegar o animal e tirá-lo da sua casa.
Ele se defende como pode. Carrega um facão, bem escondido, para afugentar marginais. Mas é só chegar perto para ver que ele não representa perigo. Nem esmola pede. Diz que se sente mal: “Acho que cada um tem que fazer a sua lutinha para sobreviver”.
E de fato ele luta. Quando acaba o inverno, Loreni vai até Viamão, com o carrinho a reboque. Do meio do mato ele retira a matéria prima para seu sustento no verão. Taquaras e pedaços de madeira, além de garrafas PET, que usa em peças de artesanato. Tradição de família e talvez a única herança do pai.
Inclusão Social BoroGZuca

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